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O que verdadeiramente somos é aquilo que o impossível cria em nós.


Clarice Lispector


terça-feira, 28 de junho de 2011

Vocês já se imaginaram vigiados 24 horas por dia?

Marilu Machado
Marisa Garcia
O programa Big Brother que surgiu no final do século XX foi inspirado no romance 1984, escrito por George Orwell em 1948. Orwell nasceu em 1903. Foi um escritor de uma sinceridade incontestável e testemunha do que retratou em sua obra. Viveu como peão, criou galinhas e plantou legumes. Morreu em 1950. Tinha aversão do totalitarismo de todos os tipos e exploração das massas trabalhadoras. Dentre suas obras destaca-se “A revolução dos Bichos”. O livro 1984 narra a historia de pessoas que são vigiadas por um olho eletrônico, chamado o “Grande Irmão”, “Big Brother”, instalado em todas as ruas, igrejas, trabalho e casas, inclusive nos quartos. Todos os movimentos eram vigiados, até os pensamentos “o pior de todos os perigos era falar dormindo”. (Orwell, 1971, p. 64).
O “Grande Irmão” ou “Big Brother” era visto em cartazes e teletelas espalhadas pelo país. Ninguém nunca o viu pessoalmente, mas disseminado por todos os lados encontrava-se o slogan “O Grande Irmão zela por ti’. A confiança que o Grande Irmão passava conduzia o povo a acreditar em sua existência. As teletelas eram mais que uma televisão ou um computador, era um aparelho que enviava e captava voz e imagem, facilitando o controle dos cidadãos, (a tecnologia hoje se elabora cada vez mais para um controle dos consumidores.)
O horror disso era não saber em que momento os personagens estavam sendo vigiados. Os filhos eram treinados para delatarem qualquer gesto ou atitude dos pais ou vizinhos do prédio. “[...] as crianças eram sistematicamente atiradas contra os pais, e ensinadas a espioná-los e a denunciar os seus desvios. Dessa forma, a família se torna a extensão da Policia do Pensamento[...]”.(ORWELL, 1971, p. 126). O sexo só era permitido no casamento e com fins de cumprir as obrigações, a filosofia do partido era que “havia uma ligação direta e intima entre castidade e a ortodoxia política” (ORWELL, 1971,p.126) e “ não era apenas pelo fato do instinto sexual criar um mundo próprio, fora do controle do Partido e que, portanto devia ser destruído...” (ORWELL, 1971,p. 125). O país era dividido em megablocos (classes sociais), a única que não era vigiada era a prole, por não oferecer perigo. Os governantes nunca tiveram interesse em moldar as classes menos favorecidas, por julgarem que os pobres só querem ser felizes e morar onde nasceram.
A vida dos que transgrediam as regras se tornava igual a dos judeus no holocausto de Hitler ou os brasileiros no regime militar.
O BBB foi inspirado no romance de Orwel “1984” e transformou o que havia de crítica ao controle, em entretenimento, sucesso e dinheiro. O programa foi criado na Holanda em 1999 e depois foi vendido para outros países, entre eles o Brasil. No BBB são 14 participantes “confinados” em uma casa, vigiados por 30 câmeras, 24 h por dia. No Brasil teve sua estréia em 2002 e já chegou a 5ª edição. O prêmio disputado na ultima edição era de um milhão de reais. Nos momentos decisivos os programas bateram o Record de audiência. Como explicar tanto sucesso num programa que celebra e exalta a sociedade de controle?
As imagens passadas ao público não são ao vivo, mas editadas, o que possibilita o controle das imagens. È a “sociedade de controle” que dita e edita o que deve ser visto e ouvido pela massa, que “interage” toda semana e elimina um participante através de votação via telefone ou internet. Outro exemplo recente de manipulação de imagens e informações foi na guerra dos EUA e Iraque, onde o governo Bush montou uma rede de TV para gerar e monitorar as imagens da guerra e transmiti-la a todas as emissoras do mundo como a “verdade” absoluta.
No BBB existe uma inversão de valores. A vigilância é algo prazeroso. Os participantes buscam além do prêmio, o reconhecimento e a fama, todos aspiram à celebridade a qualquer custo mesmo que para isso passem por situações ridículas, como a cena deplorável em que os participantes passaram três dias usando orelhas de burro. Debord em a “Sociedade do Espetáculo” diz “[... ] nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da mídia foram tão fortes como agora. Nunca os profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras e conquistaram todos os domínios – da arte à economia, da vida cotidiana à política-, passando organizar de forma consciente e sistemática o império da passividade moderna”.(DEBORD, 1997).
Situação como esta não é novidade. Já no século XVIII “os corpos eram tratados como objetos a serem moldados. O corpo é um objeto de investimento tão imperioso e urgentes: em qualquer sociedade, o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõem limitações, proibições ou obrigações”. (FOUCAULT, 1987, P. 118).
A sociedade nos controla, dita as regras e normas a serem seguidas. A nossa própria consciência nos controla, porque precisamos obedecer às disciplinas. “A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados ‘corpos dóceis’. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade e diminui essas mesmas forças em termos políticos de obediência’.) FOUCAULT, 1987, P. 119).
A vigilância que era vista com horror no romance “1984,” retorna agora como algo positivo, ligado à segurança. Os condomínios de luxo, as padarias, as farmácias todas são monitoradas por circuitos internos de TV. Os soldados brasileiros que o digam, mesmo em missão de paz no Haiti, são acompanhados por um sistema via satélite. Assim, podemos associar o Grande irmão à liderança invisível que as instituições exercem sobre os indivíduos.

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